domingo, 11 de dezembro de 2011

Chesterton apresenta George Macdonald





Por G. K. Chesterton


Introdução a George Macdonald and His Wife (1924), de Greville Macdonald

Disponível em inglês George Macdonald



Certas revistas têm simpósios (eu os chamarei simposia, se me for permitido chamar as duas coleções do South Kensington de musea) em que se pede às pessoas que nomeiem “Livros Que Me Influenciaram”, na mesma linha de “Hinos Que Me Ajudaram”. De regra, não é um processo realista, pois nossas mentes, na maioria das vezes, são uma vasta biblioteca não catalogada; em geral, quando um homem é fotografado com um livro nas mãos, na melhor das hipóteses, este foi escolhido aleatoriamente; na pior, está fazendo pose para impressionar. Mas, em certo sentido especial, posso realmente testemunhar que um livro fez diferença em toda a minha existência, que me ajudou desde o princípio a ver as coisas de certa maneira; uma visão das coisas que até mesmo uma verdadeira revolução, como uma conversão religiosa, substancialmente apenas coroou e confirmou. De todas as histórias que li, incluindo os demais romances do mesmo autor, esta continua sendo a mais real, a mais realista no exato sentido do termo – a mais parecida com a vida. Ela se chama A princesa e o Goblin, e seu autor é George MacDonald, o homem de que trata este livro.

Quando digo que é semelhante à vida, o que quero dizer é o seguinte: ele descreve uma princesinha que mora num castelo nas montanhas que, por assim dizer, é perpetuamente escavado por demônios subterrâneos que às vezes sobem à superfície através da adega. Ela sobe as escadas do castelo para ir ao quarto da governanta ou aos outros quartos; agora, no entanto, e uma vez mais, as escadas não levam ao destino usual, mas a um novo quarto que ela nunca vira antes e que em geral não pode encontrar de novo. Ali uma boa vovozinha, que é um tipo de fada madrinha, está perpetuamente fiando e falando palavras de sabedoria e incentivo. Quando li como criança, senti que tudo era um acontecimento dentro de uma casa humana real, não essencialmente diferente da casa em que eu mesmo vivia e que também tinha escadas, e quartos, e adega. Era aí que o conto de fadas diferia de muitos outros contos; acima de tudo, era aí que a filosofia diferia de muitas outras filosofias. Sempre senti certa insuficiência no ideal de progresso, mesmo o da melhor espécie, que é o Progresso do Peregrino. Dificilmente este sugere o quanto estão próximas de nós as melhores e as piores coisas desde o início; talvez especialmente no início. E embora, como toda pessoa sensata, eu valorize e respeite o conto de fadas comum do terceiro filho do moleiro que partiu para procurar sua sorte (uma forma que o próprio MacDonald seguiu na continuação chamada A princesa e Curdie), a sugestão de viajar para um mundo das fadas, distante, que é a alma dele, impede de atingir este fim particular que é transformar todas as escadas, e portas, e janelas comuns em coisas mágicas.

O Dr. Greville MacDonald, nestas memórias interessantíssimas de seu pai, creio, mencionou em algum lugar o sentido deste estranho simbolismo das escadas. Outra imagem recorrente em seus romances era um grande cavalo branco; o pai da princesa tinha um, e havia outro em The Back of the North Wind [Por trás do vento norte]. Até hoje, não posso ver um grande cavalo branco na rua sem uma repentina sensação de coisas indescritíveis. Mas, por ora, estou falando do que se pode enfaticamente chamar a presença de deuses domésticos – e de goblins domésticos. E a imagem da vida nesta parábola não é só mais verdadeira que a imagem de uma viagem, como a do Progresso do Peregrino; é sempre mais verdadeira do que a mera imagem de um lugar sitiado como o da Guerra Santa. Há algo não somente imaginativo, mas intimamente verdadeiro a respeito da ideia de goblins que estão debaixo da casa e que são capazes de importuná-la a partir da adega. Quando as coisas más que nos importunam de fato aparecem, elas não aparecem do lado de fora, mas de dentro. De alguma maneira, aquela simples imagem de uma casa que é o nosso lar, que é sinceramente amada como o nosso lar, mas da qual dificilmente conhecemos o melhor ou o pior e se deve sempre esperar por um deles e vigiar contra o outro, permaneceu em minha cabeça como algo particularmente sólido e irrefutável; e foi ainda mais confirmado que corrigido quando vim a dar um nome preciso à senhora que zela por nós desde a torre, e talvez a assumir uma visão mais prática dos goblins debaixo do piso. Desde que li pela primeira vez aquela história, cinco filosofias alternativas do universo chegaram às nossas faculdades, vindas da Alemanha, soprando o mundo como o vento leste. Mas, para mim, aquele castelo ainda permanece nas montanhas e a luz em sua torre não se extingue.

Todas as demais histórias de George MacDonald, interessantes e sugestivas de diversas maneiras, parecem ser ilustrações e até disfarces daquele único disfarce. Digo disfarce pois esta é a mais importante diferença entre o seu tipo de mistério e a mera alegoria. A alegoria comum toma o que considera lugares-comuns ou convenções necessárias para homens e mulheres comuns e tenta torná-los agradáveis ou pitorescos, vestindo-os como princesas, ou goblins, ou fadas. Mas George MacDonald, na verdade, acreditava que as pessoas eram princesas, e goblins, e fadas, e vestia-os como homens ou mulheres comuns. O conto de fadas estava dentro da história comum, não fora. Um resultado disso é que todos os objetos inanimados que são as propriedades do cenário da história retêm aquele encanto ignorado que têm num conto de fadas literal. As escadas em Robert Falconer são tão mágicas quanto as escadas em A princesa e o Goblin; e quando os meninos estão construindo o barco, e a menina está recitando versos para eles, em Alec Forbes, e alguns velhos cavalheiros dizem em tom de galhofa que ele se erguerá para cantar como um navio mágico escandinavo, sempre me parece como se ele estivesse descrevendo a realidade do incidente, sem levar em conta a aparência. Os romances, como romances, são irregulares; mas como contos de fadas são extraordinariamente coerentes. Ele nunca, nem por um momento, perde o fio interior que corre pela colcha de retalhos, e é o fio que a vovozinha põe nas mãos de Curdie para tirá-lo das armadilhas dos goblins.

A originalidade de George MacDonald tem também um significado histórico, que talvez seja mais bem estimada em comparação com seu grande conterrâneo [Thomas] Carlyle. É uma medida do poder real e até da popularidade do Puritanismo na escócia que Carlyle nunca tenha perdido o temperamento puritano, mesmo depois de perder toda a teologia puritana. Se uma fuga da tendência dominante do ambiente for um teste de originalidade, Carlyle nunca escapou por completo, mas George Macdonald, sim. Ele desenvolveu, a partir de suas próprias meditações místicas, uma teologia alternativa completa que levava a um temperamento completamente oposto. Nessas meditações místicas ele aprendeu segredos que vão muito além da mera indignação puritana com a ética e com a política. Pois no gênio real de Carlyle havia um toque de intimidação, e onde quer que haja um elemento de intimidação há um elemento de banalidade, de reiteração e de ordens repetidas. Carlyle nunca pôde dizer nada tão sutil e simples como a frase de MacDonald de que “Deus é fácil de agradar e difícil de satisfazer”. Carlyle estava obviamente ocupado demais com a insistência em que Deus era difícil de satisfazer; exatamente como alguns otimistas estão, sem dúvida, ocupados demais em insistir que Ele é fácil de agradar. Em outras palavras, MacDonald tinha criado para si mesmo um tipo de ambiente espiritual, um espaço e uma transparência de luz mística, que era absolutamente excepcional em seu ambiente nacional e denominacional. Ele disse coisas semelhantes aos ditos dos cavaleiros místicos, dos santos católicos, algumas vezes dos platônicos ou swedenborgianos, mas pelo menos não aos dos calvinistas, mesmo quando o calvinismo permanecia em um homem como Carlyle. E quando ele vier a ser mais cuidadosamente estudado como um místico, como acho que o será quando as pessoas descobrirem a possibilidade de recolher suas joias dispersas em um conjunto muito irregular, perceber-se-á, imagino, que ele se posta antes como um ponto de mutação na história da Cristandade, como um representante da nação cristã da Escócia. Como os protestantes falam das estrelas da manhã da Reforma, devemos estar autorizados a notar tais nomes aqui e ali como as estrelas da Reunião.

A coloração espiritual da Escócia, como a cor local de tantos sarracenos escoceses, é um roxo que sob algumas luzes pode parecer cinza. A característica nacional é, na realidade, intensamente romântica e apaixonada; é, na verdade, excessiva e perigosamente romântica e apaixonada. Sua torrente emocional com muita frequência tem-se dirigido apenas à vingança, ou à luxúria, ou à crueldade ou à bruxaria. Não há embriaguês como a embriaguês escocesa; ela tem em si o barulho antigo e a estridência selvagem dos Mênades das montanhas. E, claro, é igualmente verdade quanto ao lado bom, como na grande literatura da nação. Stopford Brooke e outros críticos apontaram com razão que um senso vívido de cores aparece nos poetas escoceses medievais antes de este aparecer de fato em qualquer poeta inglês. E é absurdo falar da dura e perspicaz sobriedade de um tipo nacional que se tem feito mais bem conhecido por toda parte no mundo moderno pelo literalismo prosaico da Ilha do Tesouro e o realismo monótono de Peter Pan. No entanto, por um estranho acidente histórico, este povo vívido e colorido foi forçado a “vestir-se de preto” numa espécie de funeral sem fim num eterno Sabá. Na maioria das peças e quadros, entretanto, em que eles são representados vestidos de preto, alguns instintos fazem o ator ou o artista ver que eles não combinam muito bem. E assim o fazem.

Os escoceses apaixonados e poéticos – como os italianos apaixonados e poéticos –devem, obviamente, ter tido uma religião que competia com a beleza e a vivacidade das paixões, que não deixava o diabo ter todas as cores brilhantes, que respondia glória com glória e fogo com fogo. Isso deveria ter equilibrado Leonardo com São Francisco; nenhum jovem ou pessoa viva realmente pensa que se pode equilibrar isso com John Knox. A consequência foi que esta potência nas letras escocesas, especialmente no dia (ou noite) da plena ortodoxia calvinista, foi enfraquecida e desperdiçada centenas de vezes. Em Burns, ela foi levada para fora de seu curso como loucura; em Scott, era tolerada somente como memória. Scott só podia ser um medievalista tornando-se o que ele viria a chamar um antiquário, ou o que chamaríamos um esteta. Ele tinha de fingir que seu amor estava morto para que fosse autorizado a amá-lo. Assim como Nicodemos foi até Jesus à noite (ver Jo 3:1), o esteta somente vai à igreja à noite.

Agora, entre os muitos homens de gênio que a Escócia produziu no século XIX, havia apenas um tão original a ponto de voltar a sua origem. Havia apenas um que realmente representava o que a religião escocesa deveria ter sido, se tivesse mantido a coloração da poesia escocesa medieval. Em seu tipo particular de obra literária, ele de fato percebeu o aparente paradoxo de um São Francisco de Aberdeen, vendo o mesmo tipo de halo em torno de uma flor e de um pássaro. Não é a mesma coisa que a apreciação que o poeta faz da beleza da flor ou do pássaro. Um bruto pode sentir isso e continuar bruto, ou, em outras palavras, continuar triste. É certo senso especial de significância, que a tradição que mais a valoriza chama sacramental. Ter voltado para isso, ou avançado para isso, num salto de meninice, para fora do negro Sabá de uma cidade calvinista, foi um milagre de imaginação.

Ao notar que ele bem pode ter este lugar na história, no sentido da religião e da história nacional, não tento aqui fixar seu lugar na literatura. Em todo caso, ele é um dos tipos mais difíceis de classificar. Ele não escreveu nada vazio; mas escreveu muito do que é cheio demais e cuja apreciação depende antes de uma simpatia com a substância do que à primeira vista com a forma. De fato, os místicos não são com frequência homens de letras em seu sentido perfeito e quase profissional. Um homem cuidadoso encontrará mais sobre o que pensar em Vaughan ou Crashaw que em Milton, mas também encontrará muito que criticar; e ninguém precisa negar que, no sentido comum, um leitor casual pode desejar que haja menos Blake e mais Keats. Mas mesmo essa indulgência não deve ser exagerada; e é exatamente no mesmo sentido em que lastimamos um homem que ignora tudo de Keats ou de Milton que podemos sentir compaixão pelo crítico que não caminhou na floresta de Phantastes ou não tomou conhecimento do Sr. Cupples nas aventuras de Alec Forbes.

Nenhum comentário: