C. S. Lewis disse, sobre o pregador e escritor de ficção escocês George MacDonald:
Não sei se conheço outro escritor que parece estar tão perto [...] do Espírito do próprio Cristo. [...] Suponho que nunca escrevi um livro no qual não o citasse.
Lewis afirmava que a obra Phantastes, de MacDonald, estimulara sua própria “conversão da imaginação”. Ao ter em vista o grande volume de obras escritas em tributo a C. S. Lewis, está mais do que na hora de prestarmos alguma atenção no homem que ele dizia abertamente ser seu mestre.
MacDonald combinou admiravelmente sua vida “secular” como romancista e homem de letras com seu chamado original de pregador do Evangelho. Entre seus amigos, havia pessoas notáveis, como Thackeray, Dickens, Arnold e Tennyson. Em uma viagem aos Estados Unidos, em 1873, fez palestras, sempre com enorme audiência, e conheceu Emerson, Longfellow, Whittier, Holmes e Harriet Beecher Stowe. Chegou a discutir com Mark Twain a possibilidade da coautoria de um romance, como defesa contra a pirataria dos direitos autorais que ambos enfrentavam. (Só se pode imaginar os resultados que adviriam de tal trabalho conjunto!) Outros amigos incluíam pintores da era anterior a Raphael, sua patrocinadora Lady Byron, o excêntrico crítico John Ruskin e o matemático de Oxford Charles Dodgson (Lewis Carroll).
Embora vivesse em uma época de grandes conflitos entre a ciência e a religião, George MacDonald não via separação entre o mundo “natural” e o “sobrenatural”. Ao falar sobre sua juventude, ele confessou:
Uma das minhas maiores dificuldades para concordar em pensar sobre religião foi que eu acreditava que precisaria desistir de meus belos pensamentos e de meu amor pelas coisas que Deus fez.
Em vez de ter que desistiu, ele descobriu que:
Deus é Deus da Beleza; Religião é o amor à Beleza; e o Céu é o lar da Beleza. A Natureza é dez vezes mais radiante sob o Sol da Justiça, e meu amor à natureza é mais intenso desde que me tornei cristão...
Este naturalismo cristão serviu para enriquecer as descrições sensoriais em suas obras.
Uma vez ele disse:
Conhecer uma prímula é muito melhor do que saber toda a botânica relacionada a ela, assim como conhecer Cristo é infinitamente melhor do que saber toda a teologia.
E os que o conheciam sabiam o que significa para ele conhecer a Cristo. Seu temperamento era alegre, divertido. Teve onze filhos e depois adotou mais dois, quando a mãe deles se encontrava em dificuldades financeiras tremendas. Sua casa era cheia de risadas das crianças e da conversa animada dos inúmeros hóspedes. (Um dos hóspedes frequentes na casa dos MacDonald, Lewis Caroll, imortalizou uma das filhas deles como um gatinho em sua obra Através do Espelho).
William Raeper, secretário da Sociedade George MacDonald, escreveu a biografia do autor, que contém inúmeras informações. Traz notícias triviais, como a maior nota na faculdade (Química!), e que aos 73 anos ele resolveu estudar holandês e espanhol. Ao tratar o valor da obra literária, afirma generosamente que o conjunto total das obras de MacDonald é maior do que cada uma delas individualmente. Dentre as vinte e seis novelas que escreveu, as mais duradouras são Phantastes e Lilith. Mas a análise de Raeper perde o vigor frente ao perfil literário convincente apresentado por C. S. Lewis no prefácio à antologia que escreveu sobre MacDonald. Lewis o exalta não pelo estilo – como muitas pessoas da era vitoriana, caía em moralidade açucarada –, mas pela capacidade de criar mitos. E, para Lewis, a percepção espiritual vista superficialmente nas novelas, mas bem evidente nos diários e sermões compilados é incomparável.
Ainda é possível ler sermões de MacDonald, em forma condensada e mais agradável a leitores modernos, graças a duas compilações feitas por Rolland Hein, intituladas Life Essentials e Creation in Christ. A carreira pastoral de MacDonald foi acidentada. Seus paroquianos afastaram-no do púlpito em face de sua crença no sentido de o inferno servir como uma espécie de purgatório que levasse a reconciliação final de toda a criação. As autoridades da igreja também se preocupavam com sua crença de terem os animais um lugar no céu e questionavam a influência sutil do idealismo alemão em sua teologia.
Próximo ao final de sua vida, porém, MacDonald conseguiu superar essas controvérsias e era bem recebido e amado como preletor convidado em muitas igrejas inglesas. Ao reagir contra o calvinismo rígido de sua juventude (assim como seu personagem Robert Falconer, ele estava “o tempo todo sentindo que Deus estava prestes a precipitar-se contra ele, se cometesse qualquer erro”) apresentava Deus como Pai amoroso e misericordioso. Um relacionamento idílico com seu próprio pai viúvo alimentou tal imagem. Sobre Deus, ele dizia que não era possível que uma criatura O conhecesse como Ele é e não desejasse estar com Ele. Confiante em que a bondade de Deus algum dia se espalharia por todo o Universo, praticava uma espécie de “fatalismo otimista” que aparece, por exemplo, em uma carta que escreveu para sua esposa, visando a consolá-la por um sofrimento: “Bem, este mundo, e todo o começo que há nele, se transformará em alguma coisa melhor”.
Ao conhecer MacDonald, vemos seus sermões sob uma luz inteiramente diversa. As palavras poderosas sobre graça, libertação da ansiedade e o amor inexorável de Deus vieram, na verdade, de uma vida cheia de dificuldades. Durante anos, MacDonald vagou por Londres, sem dinheiro, procurando emprego. Sofreu constantemente de tuberculose, asma e eczema. Dois de seus filhos morreram jovens. Mostrou-se incapaz de ser professor na universidade, e a grande vendagem de suas novelas raramente lhe trazia retorno financeiro: havia cópias demais no mercado pirata. A família voltou-se para a encenação de O Peregrino (o próprio MacDonald representava Greatheart) para conseguir pagar suas dívidas.
Estas dificuldades enfrentadas por ele só enfatizam o exemplo de fé deixado por um de nossos maiores escritores devocionais. A novela Phantastes termina com as folhas das árvores sussurrando:
Um grande bem está chegando, chegando, chegando para vós, Anodos.
George MacDonald cria nisto com todo seu coração, e aplicou essa lição à sua própria vida bem como a toda a história.
Phillip Yancey, "Imaginação Convertida", In: Perguntas que precisam de respostas. Trad. Cláudia Ziller Faria. Rio de Janeiro: Textus, 2001.
Nenhum comentário:
Postar um comentário